Após o início da instalação do Programa Grande Carajás uma série de irregularidades e degradações tomam conta das atividades mineradoras, provocando a reação da população atingida e dos movimentos organizados.
Descripción
O estado do Pará se destaca no setor da mineração, sendo cerca de 80% do superávit da balança comercial do Estado produzido pelo extrativismo do minério de ferro. Muito deste cenário se deve as atividades da mina de Carajás.
No final da década de 70, a Companhia Vale do Rio Doce decidiu instalar uma mina de ferro em Carajás, no centro-sul do Pará, a mais de 800 quilômetros do litoral. O projeto exigiria 3,5 bilhões de dólares, mas inicialmente foram conseguidos US$ 300 milhões com o Banco Mundial, com uma condição: a empresa deviria aplicar recursos na proteção das comunidades indígenas situadas na área de influência da ferrovia que levaria o minério até o porto da Ponta da Madeira, na ilha de São Luís.
Em 1980, a siderurgia aporta no Pará através do Programa Grande Carajás (PGC), que soma 15 empresas, oito no Estado do Pará e sete no Estado do Maranhão, que juntas são responsáveis por mais de 60% das exportações brasileiras de ferro-gusa, segundo o Sindicato das Empresas de Ferro Gusa do Estado do Pará. Destaca-se o Distrito Industrial de Marabá que funciona com oito siderúrgicas, num total de 17 alto fornos produzindo cerca de 3 milhões de toneladas de ferro-gusa.
O minério tem os EUA como o principal destino e a indústria bélica um dos setores mais interessados. O mercado americano consumiu em 2007 cerca de 5.95 milhões de toneladas, ou seja mais de 60% das exportações nacionais.
A responsável pelo fornecimento da matéria-prima para produção de gusa do Pólo Carajás, a Companhia Vale do Rio Doce (CVDR), há mais de duas décadas explora os recursos minerais, causando enorme degradação ambiental, desestruturando comunidades tradicionais e mantendo relação com formas análogas de trabalho escravo para a produção de carvão vegetal e outras formas de violência. Estudos mostram que para a produção de uma tonelada de ferro gusa é preciso queimar 2,6 toneladas de madeira. Por esta razão, 21 municípios do Pará estão entre os cem que mais desmatam na Amazônia, 19 deles estão no sudeste do Pará, que além da mina abriga o pólo siderúrgico revelando a estreita ligação entre o desmatamento e a extrativa mineral. Associado a este problema está a expansão da monocultura de eucalipto em alguns municipios do Estado.
A pressão nacional e internacional resultou una criação de um fundo de reflorestamento, no início de 2007, com participação de onze empresas do Pólo. Foi instituído também o Instituto Carvão Cidadão (ICC) para fazer oposição ao trabalho escravo, no entanto, ambas as medidas são questionadas pelos movimentos locais.
As atividades siderúrgicas na região geraram as empresas multas de R$ 550 milhões, em 2005. Este valor poderia ter cegado a R$ 770 milhões se o Código Florestal e a Lei de Crime Ambiental tivessem sido devidamente aplicados. A Secretaria de Meio Ambiente realizou ao longo desses anos várias operações de fiscalização para ajustamento de condutas das empresas.
No município de Açailândia, oeste do Maranhão, operam as empresas Vale do Pindaré, Viena Siderúrgica, Gusa NE e Fergumar y Simasa cujos resíduos provenientes da mineração ganham a vizinhança sem nenhum tratamento. A comunidade de Pequiá, por exemplo, que soma cerca de 1.500 famílias, registram problemas respiratórios, alergias, dores de cabeça e até o óbito de uma criança. Algumas famílias afetadas têm denunciado a questão e só a Gusa NE, com sede em Belo Horizonte e filiada ao ICC, soma 20 processos reivindicando indenizações da empresa.
Foram feitos dois relatórios sobre os impactos do pólo de gusa sobre a vizinhança, cujas informações se complementam quanto os danos provocados à saúde das famílias do
Destrito Industrial de Pequiá, onde as empresas estão instaladas, revelando ilegalidades na operação da Gusa NE, inclusive sua plena atividade após vencimento da licença de operação emitida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão.
Entre as poluições provocadas pela Gusa NE estão: a) fuligem ? em decorrência da poluição do ar; b) poeira composta por carvão vegetal, minério e o seixo; c) ausência de filtros químicos ou aparelhos de incineração de gases fazem com que vapores provenientes da combustão dos alto-fornos sejam lançados na atmosfera sendo espalhados pelo vento, em temperaturas que oscilam entre 1800º a 2000º C, contribuindo para o aquecimento global; d) água de resfriamento dos alto-fornos, que é retirada do riacho Pequiá e armazenada em caixa d?água, voltando ao riacho com resíduos e atravessando vários quintais; e) ausência de rede de captação e tratamento de águas pluviais; f) registro de contaminação de animais domésticos que fazem parte da dieta familiar.
Um grave problema é a escória (munha ou mohína) capaz de causar sérios danos à natureza e intoxicação de plantas, pessoas e animais. A escória é depositada a céu aberto próximo a um riacho conhecido como Quarenta, frequentemente procurado para o lazer, uso de animais e outros fins.
Dentre as recomendações à empresa estão: a) o uso de filtros anti-partículas nas chaminés; b) incineradores de gases; c) rede de drenagem; d) o acondicionamento adecuado da escória; e) a remoção das famílias que moram próximas à Gusa NE.
A organização não-governamental Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), com sede em Açailândia, tem sido um mediador da luta das comunidades afetadas e em casos de trabalho escravo. A ONG denunciou dois graves acidentes na escória depositada cerca de 450 m da fábrica, um em 1992 envolvendo um garoto de oito anos e outro de sete anos, que ao se acidentar na montanha da escória teve queimaduras de terceiro grau e veio a óbito. No outro acidente, em 2001, um jovem de 21 anos também teve queimaduras de terceiro grau e carece de cuidados especiais. Após várias conflitos entre a empresa, o vitimado e o CDVDH, a mineradora garantiu o tratamento em clinica particular. Todos os casos foram encaminhados para o Ministério Público Federal.
Também os índios Xikrin vivem um impasse com a CVDR. Em 2006, cerca de 150 índios das aldeias Cateté e Djudjêkô, que congregam mais de 800 habitantes em uma área de 440 mil hectares, invadiram as instalações da empresa em Carajás. A ação paralisou a produção de minério de ferro por dois dias, ou seja, 500 mil toneladas do minério deixaram de seguir para o exterior e 15 usinas de ferro-gusa ficaram sem sua matéria prima. A Vale anunciou prejuízo superiores a US$ 10 milhões e decidiu cessar o repasse anual de R$ 9 milhões de um convênio com a Associação Indígena Bep-Noi, dando início a uma batalha judicial. No eixo de Carajás, onde há uma população de 3 milhões de pessoas, a CVRD presta algum tipo de assistência a 3,5 mil índios (0,1% do total).
A Funai e o Ministério Público no Pará interviram e a Vale teve de voltar a pagar indenização aos índios, no valor de R$ 569 mil, baseado em despesas apresentadas pela Funai, a partir de informações do grupo. O repasse é feito em conta judicial e, para ter acesso ao dinheiro, os índios precisam prestar contas. A companhia alega que a justiça só repassou aos índios R$ 300 mil e levou o caso à esfera internacional, a Organização dos Estados Americanos (OEA), alegando que o governo federal não tem uma política indigenista. A expectativa da companhia é que o governo faça uma proposta adequada a mineradora.
Segundo Jorge Luís Ribeiro dos Santos, advogado que representa a Associação Indígena Bep-Noi, o governo brasileiro não tem dado a assistência necessária aos índios, mas a CVDR também não tem cumprido com a obrigação de mitigar os impactos de extração mineral na região, uma vez que não vem assumindo seus compromissos.
Recentemente, o Pólo Carajás entrou em refluxo com a crise da economia mundial e
as empresas instaladas nas cidades de Marabá, sudeste do Pará e no município de Açailândia, oeste do Maranhão, promoveram vários expedientes para manter o quadro funcional e tentar resistir a crise. Antes dela se instalar, no en tanto, o cenário era de expansão de várias frentes de exploração mineral, protagonizadas especialmente pela CVDR e pela Alcoa, ultrapassando inclusive as fronteiras de Carajás.
Com a crise a maior produtora de minério de ferro do mundo demitiu mais de 1.300 empregados e propôs a suspensão temporária dos contratos de muitos trabalhadores. Há índices recordes de ações trabalhistas contra a Vale no município de Parauapebas.
Em abril de 2008, o Movimento dos Trabalhadores na Mineração (MTM) obstruiu os trilhos da Estrada de Ferro Carajás, em Parauapebas (PA), para protestar contra a exploração da CVDR e exigir a retirada da mineradora de parte de uma área de Serra Pelada, a criação do Estatuto dos Garimpeiros e aposentadoria especial para a categoria. Durante a manifestação ficaram feridos em 22 militantes.
Os conflitos e demandas fizeram com que um coletivo de organizações populares se mobilizassem e instituissem o movimento Justiça nos Trilhos. O coletivo busca, a partir de estudos que estão sendo realizados pelas universidades federais do Maranhão e Pará, a construção de medidas que diminuam os impactos do setor nas comunidades atingidas e a garantia de um fundo de desenvolvimento, extinto após a privatização da Vale em 1997.
Fonte:
- Adital - http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=36052
- MST - www.mst.org.br
- Agência Amazônia - http://www.agenciaamazonia.com.br